Cultura pimba e esquerda gaguejante<br> amortecem queda de Berlusconi
A estreitíssima margem de votos que separou a esquerda da direita nas eleições italianas merece uma leitura das relações entre a política política e a política cultural.
Lugar comum é referir o imenso, e ilegítimo, poder alcançado por Berlusconi nos meios de comunicação social por via das estações televisivas de que é proprietário, a que agregou, enquanto primeiro-ministro, o controle das públicas, tudo ao serviço dos seus interesses pessoais. A visibilidade da imagem de Berlusconi é completamente montada a partir da posição dominante que alcançou nos media e no futebol, o que lhe serviu de trampolim para a carreira política, essencial para fintar a justiça onde estava, e está, indiciado pelos mais diversos crimes.
Essa é uma realidade. Uma realidade de imenso peso mas que só parcialmente explica como, contra o descalabro da sua política económica, o desconchavo das suas intervenções políticas, o notório uso e abuso dos poderes governamentais em benefício próprio ou dos seus colaboradores, il cavallieri obteve um resultado eleitoral que se pode considerar uma vitória pessoal que sustentou um recuo mínimo da direita.
É necessário, mas não é suficiente, controlar os conteúdos noticiosos e outra programação de carácter informativo para se obter tão estrondoso resultado, olhado em função das políticas postas em prática e que, por diversas vezes, foram alvo de grandes contestações de rua que acabaram por não adquirir expressão nas urnas. A arma poderosa que a direita italiana usou, arma que não é um seu exclusivo, foi a de por em prática políticas culturais que distanciam as populações dos problemas sociais, políticos e culturais, reduzindo-lhes a capacidade crítica, o que abre caminho à manipulação informativa. É nos mercados culturais de massa que se constrói o imaginário de um povo. Quando esse imaginário se degrada com subprodutos género revistas novagentecaraslux, big brothers quintas das celebridades, música pimba, seja ligeira, semi-ligeira ou sinfónica, concursos onde o dinheiro escorre fácil, que são geradores em cadeia de actividades que os mimetizam até à mais pequena escala, cruzando-se com a desinformação escrita, falada e multimédia, gera-se um fluxo convergente entre a política cultural e a política de comunicação que concorrem para gerar uma visão e um conhecimento do mundo que é um seguro de sobrevivência para a direita, seja a nivel local, nacional ou internacional, promovendo o olhar alienado, o ouvido alienado, a cabeça alienada.
Quando, em Itália, se ouvem interrogações sobre se o filme de Nana Moretti, um retrato devastador de Berlusconi, beneficia ou prejudica a esquerda é porque os partidos que integram a coligação que tem Romano Prodi como cabeça de cartaz, entraram no caminho da indiferenciação ideológica e programática, reduzindo a acção política à conquista do voto. Partidos que deixaram de ser instrumentos ao serviço de interesses concretos, nomeadamente dos trabalhadores, para se transformarem em organizações eleitorais que são um fim em si-próprio, sem definição nem mobilização ideológica, sem políticas económicas, sociais e culturais verdadeiramente alternativas, o que inclusivamente esvazia progressivamente a democracia representativa de lugar, magro e escasso lugar, para a luta de classes por via pacífica.
Hoje, há já vários anos, para a ordem mundial capitalista a manutenção e a produção de bens materiais é tão importante quanto a de bens imateriais. É tão importante a produção de bens de consumo como a produção de comunicação não só nas redes tradicionais de comunicação social como nas culturais. Essa actividade é um dos pilares do estado de sítio actual, da cinzenta banalidade quotidiana às acções militares mais agressivas. Quando a esquerda, desorientada ideologicamente, é incapaz de traçar políticas culturais que resistam a essa ofensiva entra no caminho oportunista de fazer cedências a um gosto majoritário que se balança dos entretenimentos inócuos, com mais ou menos camadas de verniz, à grosseira festa do courato música pimba, está a cavar a própria sepultura com vista para os mais variegados berlusconis.
A inquietante homogeneidade que se verifica entre o gosto e as políticas culturais da direita e da esquerda, contaminando mesmo as forças de esquerda consequentes, é um triunfo ideológico da direita. Acontece porque e quando a esquerda não assume o produto cultural como um fenómeno cultural/social/político e económico que não é neutro e onde se cruzam as políticas culturais com as educativas e de inclusão social, numa atitude de intolerável oportunismo e capitulacionismo, o que a condena à derrota nessa frente de combate, actualmente uma das principais frentes de combate, contra a (des)ordem dominante.
Lugar comum é referir o imenso, e ilegítimo, poder alcançado por Berlusconi nos meios de comunicação social por via das estações televisivas de que é proprietário, a que agregou, enquanto primeiro-ministro, o controle das públicas, tudo ao serviço dos seus interesses pessoais. A visibilidade da imagem de Berlusconi é completamente montada a partir da posição dominante que alcançou nos media e no futebol, o que lhe serviu de trampolim para a carreira política, essencial para fintar a justiça onde estava, e está, indiciado pelos mais diversos crimes.
Essa é uma realidade. Uma realidade de imenso peso mas que só parcialmente explica como, contra o descalabro da sua política económica, o desconchavo das suas intervenções políticas, o notório uso e abuso dos poderes governamentais em benefício próprio ou dos seus colaboradores, il cavallieri obteve um resultado eleitoral que se pode considerar uma vitória pessoal que sustentou um recuo mínimo da direita.
É necessário, mas não é suficiente, controlar os conteúdos noticiosos e outra programação de carácter informativo para se obter tão estrondoso resultado, olhado em função das políticas postas em prática e que, por diversas vezes, foram alvo de grandes contestações de rua que acabaram por não adquirir expressão nas urnas. A arma poderosa que a direita italiana usou, arma que não é um seu exclusivo, foi a de por em prática políticas culturais que distanciam as populações dos problemas sociais, políticos e culturais, reduzindo-lhes a capacidade crítica, o que abre caminho à manipulação informativa. É nos mercados culturais de massa que se constrói o imaginário de um povo. Quando esse imaginário se degrada com subprodutos género revistas novagentecaraslux, big brothers quintas das celebridades, música pimba, seja ligeira, semi-ligeira ou sinfónica, concursos onde o dinheiro escorre fácil, que são geradores em cadeia de actividades que os mimetizam até à mais pequena escala, cruzando-se com a desinformação escrita, falada e multimédia, gera-se um fluxo convergente entre a política cultural e a política de comunicação que concorrem para gerar uma visão e um conhecimento do mundo que é um seguro de sobrevivência para a direita, seja a nivel local, nacional ou internacional, promovendo o olhar alienado, o ouvido alienado, a cabeça alienada.
Quando, em Itália, se ouvem interrogações sobre se o filme de Nana Moretti, um retrato devastador de Berlusconi, beneficia ou prejudica a esquerda é porque os partidos que integram a coligação que tem Romano Prodi como cabeça de cartaz, entraram no caminho da indiferenciação ideológica e programática, reduzindo a acção política à conquista do voto. Partidos que deixaram de ser instrumentos ao serviço de interesses concretos, nomeadamente dos trabalhadores, para se transformarem em organizações eleitorais que são um fim em si-próprio, sem definição nem mobilização ideológica, sem políticas económicas, sociais e culturais verdadeiramente alternativas, o que inclusivamente esvazia progressivamente a democracia representativa de lugar, magro e escasso lugar, para a luta de classes por via pacífica.
Hoje, há já vários anos, para a ordem mundial capitalista a manutenção e a produção de bens materiais é tão importante quanto a de bens imateriais. É tão importante a produção de bens de consumo como a produção de comunicação não só nas redes tradicionais de comunicação social como nas culturais. Essa actividade é um dos pilares do estado de sítio actual, da cinzenta banalidade quotidiana às acções militares mais agressivas. Quando a esquerda, desorientada ideologicamente, é incapaz de traçar políticas culturais que resistam a essa ofensiva entra no caminho oportunista de fazer cedências a um gosto majoritário que se balança dos entretenimentos inócuos, com mais ou menos camadas de verniz, à grosseira festa do courato música pimba, está a cavar a própria sepultura com vista para os mais variegados berlusconis.
A inquietante homogeneidade que se verifica entre o gosto e as políticas culturais da direita e da esquerda, contaminando mesmo as forças de esquerda consequentes, é um triunfo ideológico da direita. Acontece porque e quando a esquerda não assume o produto cultural como um fenómeno cultural/social/político e económico que não é neutro e onde se cruzam as políticas culturais com as educativas e de inclusão social, numa atitude de intolerável oportunismo e capitulacionismo, o que a condena à derrota nessa frente de combate, actualmente uma das principais frentes de combate, contra a (des)ordem dominante.